quinta-feira, 28 de junho de 2007

Eu sou a Concha das Praias


Eu sou a concha das praias
Que anda batida da onda
E, de vaga em outra vaga,
Não tem aonde se esconda.
Mas se um menino, da areia
A colher e a for guardar
No seio... ali adormece
E é ali seu descansar.
Pois sou a concha da praia
Que anda batida da onda...
Sê tu esse seio infante,
Aonde a triste se esconda!

Eu sou quem vaga perdido,
Sob o sol, com passo incerto,
Contando por suas dores
As areias do deserto.
Mas se um palmar, no horizonte,
Se vê, súbito, surgir,
Tem ali a tenda e a fonte
E é ali o seu dormir.
Pois sou quem vaga perdido,
Sob o sol, com passo incerto...
Sê tu sombra de palmeira,
Sê-me tenda no deserto!

Sou o peito sequioso
E o viúvo coração,
Que em vão chama, em vão procura
Outro peito, seu irmão.
Mas se avista, um dia, a alma
Por quem andou a chamar,
Tem ali ninho e ventura
E é ali o seu amar.
Pois sou quem anda chorando
À procura dum irmão...
Sê tu a alma que me fale,
Inda uma hora ao coração!
(Antero de Quental)

terça-feira, 19 de junho de 2007

Navio naufragado


Vinha de um mundo
Sonoro, nítido e denso.
E agora o mar o guarda no seu fundo
Silencioso e suspenso.



É um esqueleto branco o capitão,
Branco como as areias,
Tem duas conchas na mão
Tem algas em vez de veias
E uma medusa em vez de coração.



Em seu redor as grutas de mil cores
Tomam formas incertas quase ausentes
E a cor das águas toma a cor das flores
E os animais são mudos, transparentes.



E os corpos espalhados nas areias
Tremem à passagem das sereias,
As sereias leves dos cabelos roxos
Que têm olhos vagos e ausentes
E verdes como os olhos de videntes.
(Sophia de Mello Breyner Andresen)

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Recordo-te


Homem bravo, lider, soldado da paz, cheio de vida e de luz.
Enchias tudo por onde passavas com a tua constante vontade de brincar, com o teu sorriso.
Eu na minha inocência de criança veneráva-te, orgulhava-me de ti (ainda me orgulho).

Mais tarde veio a doença, que te prendeu os movimentos, fez de ti um homem frágil, de olhar perdido no vazio, aí eu já não era tão criança, a inocência já havia sido quebrada. Mas continuavas a ser o meu orgulho, sempre foste.

Todos viam como a doença te envelheceu, mas eu continuava a olhar para ti como um astro, altivo e luminoso, sim porque mesmo muito doente, mesmo de olhar triste perdido no vazio, tu marcavas a tua presença.

Aí de alguma das tuas meninas que entrasse em casa sem te comprimentar, era como um ritual, custou a desabituar quando partiste.

Demonstravas o teu carinho por nós de uma forma singular, assim como cada uma no seu lugar, não é que gostasses menos de alguma! Mas sim que a forma de o demonstrares era diferente, de tal forma que todas ficamos com pedacinhos teus, só nossos.

A Rita na tua doença foi o ai jesus, a tua maior preocupação, aquela a quem só conseguiste ver o rosto uma vez, num contraste entre luz e sombra que ajudou os teus olhos cansados e doentes.

Avô hoje é aniversário do teu nascimento, e embora à 10 anos não seja motivo de comemoração, é um dia sempre recordado com muito carinho, saudade e emoção, porque tu continuas aqui bem presente nos nossos corações.
(Xena)

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Saudade


- Bom dia Pai, como estás? Não respondes pai?
Faz neste instante cinco anos, que perante a mais crua e fria das realidades, foram as unicas palavras que consegui pronunciar.

Não gritei, nem chorei, apenas fiquei incrédula e queria a todo o custo uma resposta tua.

Insisti novamente.
- Pai por favor responde?
Mas cheguei tarde demais para obter qualquer resposta... O tempo já te tinha esfriado, os teus lábios não tinham cor, os teus olhos haviam perdido a expressão.

Mas porquê, meu deus? Porque teve que ser assim?

Naquele instante não gritei, mas hoje sinto um grito preso no meu peito, um grito de revolta.
Será que o meu destino era mesmo ser a ultima pessoa a fumar um cigarro na tua companhia?

Num dia em que não era previsto ir à tua casa, eu fui foi como se o destino me tivesse empurrado a ir lá. Para no fim do nosso cigarro, quando eu me preparava para ir embora, tu me pedires um abraço, foi um longo e terno abraço que sempre que me lembro é como se o sentisse outra vez, o nosso ultimo abraço, o ultimo beijo que te dei quando a tua face ainda era rubra, os teus lábios tinham cor, o teu olhar acusava uma alegria contagiante, como se estivesses a nascer de novo.

E era pai, era o teu renascer e o renascer de um relação cansada de desentendimentos que tivemos toda a vida.

Porque perdemos tantas horas com discussões, sem fundamento? Porque nos afastámos semanas a fio, apenas por orgulho? quando por vezes eu apenas queria dizer que tu eras o meu heroi, o meu idolo.

Porque me culpavas tu dos teus erros, quando eu te amava tanto.

Agora é tarde, tarde demais, mas eu sei que estejas onde estiveres, serás sempre o meu heroi.

Nunca vi a tua lápide, porque me angustia pensar que estás debaixo dela, mas a maior homenagem que te presto, é lembrar-te todos os dias da minha vida, tal e qual como se continuasses aqui.
(Xena)